terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O que Vale (Luiz fernando Veríssimo)

Estive pensando no que lhe dar de Natal, querida. Pensei numa ilha. Uma ilha inteira, com casa e ancouradouro. Ou, se você preferisse, heliporto. Mas aí pensei: você se sentiria obrigada a ir sempre à sua ilha. Ter uma ilha não é como ter, assim, um castelo no Loire ou um apartamento em Miami, que você pode ir ou não ir, tanto faz. Uma ilha inteira seria um compromisso, você se sentiria obrigada a ir sempre. Eu não estaria lhe dando um presente, estaria lhe dando um remorso. Um remorso magnífico, é verdade, com pavões e águas verdes, talvez um pequeno vulcão, mas um remorso assim mesmo. Também descartei o castelo no Loire e o apartamento em Miami. Banalidades, não.
Pensei num cruzeiro marítimo, a volta ao mundo num transatlântico só seu, 17 restaurantes, quatro orquestras, 10 piscinas e quinhentos marinheiros só pra servir você, mas aí pensei: dar a volta ao mundo, do jeito que o mundo está? Desisti do transatlântico e nem pensei num avião privê, porque aviões, por maiores que sejam - você não concorda? - mal têm espaço para as pernas, o que dirá sauna, piscina e cabeleireiro.
Pensei num Rolls Royce blindado, com bar e pianista, daqueles que o motorista tem motorista, ou então num mercedão prateado, forro de pele de lhama hemafrodita, alojamento separado para a criadagem, academia opcional, mas aí pensei: carros, com esse trânsito? Eu só estaria lhe dando chiliques.
Pensei num conjunto de diamantes, mas...Jóias? Pinturas? Antiguidades? A coleção completa de um costureiro famoso e o costureiro junto, para fazer os ajustes? Muito óbvio. Um casaco de pele? Muito incorreto. Eu não gostaria de ver você perseguida na rua por defensores, ou parentes, do animal sacrificado. Um perfume caríssimo? Um "Ramage moi", um "Penetration" um "Sacanage em general"? Muito evanescente. Pensei em lhe dar um chapéu, uma bolsa, um lenço, um guarda-chuva... E finalmente decidi: uma agenda, para suas anotações. Mas então pensei: ela vai fazer anotações na agenda com o que? Vou lhe dar uma Bic. Uma singela Bic, como prova do meu amor. É quase nada, eu sei. Mas como diz aquela frase, o que vale é a intenção, e a minha intenção era...Querida, onde você vai? Querida!

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